8.2.12

é inverno, mas, no pedro e o lobo tudo, da comida ao décor, parece uma sonata de outono

[Vista geral da sala (foto de divulgação)]


Há males que vêm por bem.


Um acidente, felizmente sem maiores consequências até onde apurei, afastou temporariamente Nuno Bergonse, um dos chefs do restaurante Pedro e o Lobo, e levou a que o menu de Outono se prolongasse pelo mês de Fevereiro.

[Nuno Bergonse e Diogo Noronha de Andrade, os chefs (foto de divulgação)]

Quem conhece este restaurante, na esquina das ruas do Salitre e Nova de São Mamede, sabe que é uma casa para todas as estações (e com cartas sazonais), mas há na antiga galeria dos anos 1950, com as suas linhas retro, tons quentes e layout nórdico, uma elegância que nos remete para o Outono.


Pelo menos, é assim que o vejo e sinto.

[Foto de divulgação]

Aberto há ano e meio, Pedro e o Lobo colocou a fasquia alta e nunca escondeu que tinha por objetivo quase imediato tornar-se um espaço de referência e de moda na cena gastronómica lisboeta.


Ajudou ter entre os seus sócios (são cinco no total) um arquiteto, Luís Baptista que assinou o projeto, e dois jovens chefs, Diogo Noronha de Andrade e Nuno Bergonse, que partilham a cozinha. 


Nada ali foi deixado ao acaso. Da decoração à cozinha, portuguesa e mediterrânica com um toque contemporâneo; das fotografias de Nuno Costa (são quase sempre dele as imagens usadas para divulgação) aos uniformes dos empregados, vestidos pela pluridisciplinar Lidija Kolovrat e pelas marcas Nike e Pepe Jeans.

[Foto de divulgação]


Neste meio tempo, claro que nem tudo correu exatamente como o traçado. Nunca corre.


Muita da estratégia de lançamento do Pedro e o Lobo passou por gerar algum burburinho à volta dos currículos dos dois chefs: Diogo trabalhou no Per Se, de Thomas Keller em Nova Iorque; Nuno Bergonse passou pelas cozinhas do Virgula e do Hotel Ritz, ambos em Lisboa. Os dois conheceram-se no restaurante MOO, em Barcelona, propriedade dos célebres irmãos Roca (a quem pertence também El Celler de Can Roca, com três estrelas Michelin e considerado o segundo melhor do mundo pela revista "Restaurant").


A "mensagem" passou, mas acabou também por gerar expectativas acrescidas.

[Foto de divulgação]

Diogo Noronha de Andrade é o primeiro a reconhecer que a crise, por um lado, e a necessidade de adaptação à nossa realidade, por outro, os obrigou a rever certos pressupostos: "Estávamos habituados a outro ritmo de trabalho e a outra dinâmica lá fora, onde as cozinhas têm uma maior rotação."


A clientela fiel ao Pedro e o Lobo, bastante diversificada, também os surpreendeu. De início esperavam que a faixa etária mais jovem (e sensível ao "modismo") fosse dominante, mas desde logo, e até pela zona onde se encontram, os executivos vieram em maior número. Sobretudo ao almoço.

[Foto de divulgação]

Essa constatação não os fez mudar de rumo, nem de abordagem, mas implicou um cuidado extra: "Não é o momento para excentricidades. Temos de dar às pessoas aquilo que elas querem, mas bem executado e com alguma inovação", admite Diogo.


Quer isto dizer que estão a jogar pelo seguro, em vez de arriscar e de inovar?


Fiel à cozinha contemporânea, mas ciente das raízes portuguesas, Diogo é cauteloso na resposta, mas claro: "Sentimos, pelo percurso feito até aqui, que o crescimento do restaurante passa muito pela dinâmica de mudar as cartas, de mudar os ingredientes. Há a preocupação de termos sempre alguns pratos de defesa nas nossas cartas, deixando as coisas mais arriscadas para os menus de degustação. Arriscamos, mas com uma escala e consistência."


Por outro lado, e é um dado curioso, Diogo sente que a presença cada vez mais notada de estrangeiros na sala acaba por desempenhar um papel fundamental de contágio: "Por norma bastante informados, os clientes estrangeiros que chegam aqui aventuram-se mais nos pratos que elegem e nas combinações que fazem. E isso passa para os portugueses."


[Foto de divulgação]

Com menus de almoço que mudam a cada semana (preço médio ronda os €20), além das opções à la carte, é sem dúvida ao jantar, com os menus de degustação, que Pedro e o Lobo dá mais largas à sua vocação. A clientela é sensivelmente a mesma ao almoço e ao jantar, mas o contexto é diferente e faz a diferença.


Com muitos outros chefs e restaurantes do panorama nacional, Pedro e o Lobo luta ainda com uma certa inconstância por parte dos nossos fornecedores, o que pode condicionar certas apostas a médio prazo numa carta, mas, entre outros ingredientes, não abdica do peixe português: "Se pudesse, tinha um restaurante só de peixe", continua Diogo.


Mas, nestas coisas, como noutras, o melhor é mesmo passar à mesa. Nem preciso dizer que fui direto ao menu de degustação da ainda reinante carta de Outono.

[O menu de degustação, só servido aos jantares, €42]

No couvert, a abrir a refeição, seguiu-se a máxima "menos é mais". Nada de "invencionices", apenas um pires com azeite e três tipos de pães saborosos (brioche de azeitona, centeio e foccacia). Não é preciso mais; sobretudo quando está ainda tudo o resto por vir...

[O couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Até onde sei, ou me contaram, houve uma fase inicial em que o menu de degustação não incluía um amuse-bouche. Na verdade, não é obrigatório, mas é algo que nos habituámos a esperar e que, como o nome já indica, se presta a espicaçar o nosso apetite. Pois o mimo "extra" ficou por conta de uma batata marcada, envolta em creme, a obrigar desde logo o palato a reagir ao salgado e ao acidulado. 

[O amuse-bouche (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A entrada, propriamente dita, chegou-me num prato fundo, como uma sopa, sob a forma de ravioli de mexilhões e toucinho de porco preto, sabayon de couve-flor e telha de crustáceos. As diferentes texturas, entre a crocância da telha e o aveludado do creme, são o que salta à vista e perpassa para o paladar. Ah, e, mais uma vez, o contraste entre a acidez e o doce.

[O ravioli (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Está aberto o caminho para a segunda entrada, mais intensa no tipo de sensações que provoca. Cogumelos de temporada salteados e confitados, esfera de shoyu, ervilha torta e amêndoas tostadas, um prato que a maioria dos vegetarianos aprovaria (não por acaso, Diogo passou por um restaurante vegetariano em Nova Iorque e isso, de uma forma ou de outra,  nota-se quase sempre num ou noutro apontamento), e que para mim teve como ponto alto o momento em que rompi a "âmpola" de soja e esta se somou aos demais elementos. 

[Os cogumelos salteados (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Primeiro prato, de peixe como manda a etiqueta. Bacalhau suado, arroz de gengibre e açafrão em três texturas, “esparregado” de wakame (uma macroalga), folha de ostra e nozes. Visualmente, muito bonito, a lembrar um bosque (decididamente, a moda pegou entre os chefs de todo o mundo, sendo os bosques "animados" e as hortas comestíveis uma tendência que marcou as cartas de Outono e de Inverno). Como me confidenciaria mais tarde o Diogo, este bacalhau, a par do salmonete, da perdiz e do naco de novilho, é dos que mais sai e agrada.

[O bacalhau suado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Pois foi esse mesmo naco que se seguiu e, feito o balanço, o prato que mais me agradou em toda a degustação. Servido sobre xisto, o redondo de novilho, cozinhado a baixa temperatura (o que faz com que a carne fique firme e macia ao mesmo tempo), apresentou-se com puré de castanha e funcho, couve de bruxelas, diospiro e emulsão de manteiga. Boa ligação entre todos os elementos e um contraste mais suave — o que preferi, sou sincero — entre entre a acidez e o adoçicado.

[O naco de novilho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para passar à etapa seguinte, era preciso limpar o palato. Foi o que fez a pré-sobremesa, uma mini tarte de abóbora com pedacinhos de pistácio.

[A pré-sobremesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O grand finale anunciou-se como mousse densa de chocolate, gratin de banana, dacquoise e gelado de avelã. Neste tipo de degustações, mais longas, a sobremesa tem, na maior parte dos casos, uma tarefa ingrata, pois chega num momento em que o bom senso (e mesmo a impossibilidade física) nos pede uma trégua. Felizmente, esta revelou-se equilibrada e nada enjoativa.

[A sobremesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para rematar, um café. Sem açúcar e sem mignardises.

[O café (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Excecionalmente, este menu de degustação foi-me servido ao almoço (por regra, está apenas disponível ao jantar). Por isso, abdiquei da maridagem prato a prato e fiquei-me pela água e por um copo do tinto Roquette & Cazes. Minto; aceitei ainda a sugestão de um Blandy's Bual (vinho da Madeira) para acompanhar a sobremesa. 

A carta de vinhos não é muito extensa, por opção dos chefs (embora eu não me importasse que tivesse um pouco mais de escolha), e apresenta vinhos e espumantes a copo entre os €3,50 e os €12 e garrafas a partir dos €16.


[A ementa criada de propósito para o jantar de São Valentim]


Uma nota final para dois eventos que vão fugir à "rotina" habitual do restaurante. O primeiro diz respeito ao Dia de São Valentim, no próximo dia 14 de Fevereiro, a pretexto do qual Pedro e o Lobo irá preparar um jantar especial, com um preço de €60 por pessoa (ementa reproduzida acima).


[O menu que irá assinalar a passagem dos dois chefs pelo Algarve no dia 25 de Fevereiro]


Já no dia 25 de Fevereiro, quer o Diogo, quer o Nuno vão trocar a sua cozinha pela do Martinhal Beach Resort & Hotel na vila de Sagres, a sul. Cada vez mais uma prática comum, este tipo de "intercâmbios" são uma boa forma dos chefs darem a conhecer o seu trabalho a outros públicos e de abrirem o seu leque de influências.

Rua do Salitre, 169, tel. 211 933 719, de seg. a sex., almoços entre as 13.00 e as 15.00; jantares entre as 20.00 e as 23.00; encerra sáb., ao almoço, e domingo, todo o dia

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